De fato, números apurados pela Assessoria de Gestão Estratégica do STJ dão conta de que, nos 15 anos em que atuo como ministro, decidi 95.789 processos. Não há engano: até a tarde do dia 30 de agosto de 2006, eu decidira 95.789 processos. Dividido esse número por 15 (número de anos em que estou no Tribunal), obtém-se a média de 6.386 em cada ano ou 532 por mês ou, ainda, 17,73 diários. Sou, então, um herói – um mártir da distribuição da Justiça? Coisa nenhuma!
Esses números absurdos traduzem, em verdade, a deformação do Superior Tribunal. Concebido para atuar em situações especiais, unificando a interpretação da lei federal, o STJ transformou-se em terceira instância ordinária, com função de alongar inda mais a duração dos processos. A apregoada reforma do Poder Judiciário só fez substituir o Código de Processo Civil por uma colcha de retalhos, cujas complicações prometem aumentar o trabalho da Corte Superior.
Isso se fez porque interessa à chamada “Fazenda Pública” utilizar o Poder Judiciário como insólito gerente de banco, cuja maior utilidade é “alongar o perfil” da dívida interna. À semelhança daqueles gigantes vítimas de acromegalia, o STJ tende a crescer. E crescerá indefinidamente, enquanto funcionar como bancário, “rolador de dívidas”, a juros irrisórios.
Assim, em lugar de considerar-me herói, quebrador de recordes, merecedor de louros olímpicos, sinto-me vítima de doença crônica. O recorde bimilionário, longe de trazer alegria, reaviva a memória do poema que escrevi, em 14/8/99, quando a Primeira Turma do STJ julgou, em uma sessão, mais de 500 processos. Eis a poesia, a que chamei QUATORZE DE AGOSTO:
Votos iguais
Recursos inúteis
Da monotonia
O tédio profundo
Faz com que a turma
Se alheie do mundo
Quinhentos processos
Passaram por nós
Que os deglutimos
Sem dó e sem pena
Com a indiferença
De férrea moenda
O STJ
Tão bem concebido
Sucumbe à sina
De se transformar
Em reles usina
E cada ministro
Perdendo o valor
Torna-se um chip
De computador
Quatorze de agosto
Oh, quanto desgosto
Fazemos agora
Bem desatentos
a sessão mais aborrecida
E mais enervante
De todos os tempos
* Autor: Humberto Gomes de Barros | Ministro do STJ
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