Brasília, passou a oferecer pedras diferentes, com cheiro de querosene e consistência mais mole. Pedro estranhou. Dizia a ele que a pedra estava batizada, que não era boa. O cara me dizia que era o que tinha e ainda me daria umas (pedras) a mais. Não demorou para Pedro notar a diferença no efeito. A nova pedra era mais viciante. Para não sofrer com crises de abstinência, dobrou o consumo para até dez pedras por dia. Descobriu então que, em vez de crack, estava fumando uma droga chamada oxi. Quando soube, vi que estava botando um veneno ainda maior no meu corpo. Fiquei com medo de morrer. Aos 27 anos, depois de quase duas décadas de dependência química, Pedro sentiu que tinha ido longe demais. Internou-se numa clínica.
A história de Pedro (nome fictício) ilustra o terror provocado pelo oxi, droga que está se espalhando rapidamente pelo Brasil. O oxi está sendo tratado pelos médicos como algo mais letal que o crack, considerado até agora a mais devastadora das drogas. Mas é consumido por pessoas que não sabem disso, porque é vendido em bocas de fumo como se fosse crack. O oxi invadiu os postos de venda tradicionais. Isso preocupa, diz o delegado Reinaldo Correa, titular da Divisão de Prevenção e Educação do Departamento de Investigações sobre Narcóticos (Denarc), da Polícia Civil de São Paulo.
A primeira apreensão confirmada do oxi em São Paulo ocorreu quase por acaso. Em março, a polícia apreendeu 60 quilos de algo que foi classificado como crack. O equívoco foi corrigido quando esse carregamento foi usado numa demonstração para novos policiais. Queimamos algumas pedras e, pelos resíduos, concluímos que era oxi, afirma Correa. Quase diariamente, a polícia de algum Estado do Brasil anuncia ter apreendido a droga pela primeira vez. Não é que o oxi surgiu em tantos lugares em tão pouco tempo. Ele já havia se espalhado sem ser notado.
Como o crack, o oxi é vendido em pedras que, quando queimadas, liberam uma fumaça. Inalada, em poucos segundos vai para o cérebro, provocando euforia e bem-estar. Visualmente, são quase idênticas, diz Correa. A diferenciação pode ser feita pela fumaça, que no caso do crack é mais branca, ou pelos resíduos: o crack deixa cinzas, enquanto o oxi libera uma substância oleosa. Por causa da dificuldade em distinguir uma droga da outra, é impossível ter exata noção da penetração do oxi entre os usuários. Sabemos apenas que ele está aqui há algum tempo, afirma Correa.
Recente nos Estados mais ao sul do país, o oxi é velho conhecido dos viciados da Região Norte. Acredita-se que a droga entrou no Brasil ainda na década de 1980, a partir de Brasileia e Epitaciolândia, cidades do Acre que fazem fronteira com a Bolívia. O consumo da substância foi registrado por pesquisadores em 2003, quando Álvaro Mendes, vice-presidente da Associação Brasileira de Redução de Danos (Aborda), pesquisava o uso de merla, outro derivado da cocaína, entre os acrianos. No primeiro momento, o oxi era usado pelas classes sociais mais baixas e por místicos que iam ao Acre atrás da ayahuasca (chá alucinógeno usado em cerimônias do Santo Daime), diz Mendes. A droga chegou à capital, Rio Branco, de onde se espalhou para outros Estados da região. Hoje, é consumida em todas as classes sociais, diz Mendes.
O agente penitenciário André (nome fictício), de 34 anos, morador de Rio Branco, no Acre, conhece bem os efeitos do oxi. Quem usa chama de veneno, diz. Como todo veneno, é traiçoeiro. André descreve o gosto da fumaça como algo gostoso. Pega mais, dá uma viagem. Não demora e surgem os efeitos adversos dor de cabeça, vômitos e diarreias. E paranoia. André diz que ouvia vozes. Era o demônio falando no meu ouvido. Os efeitos também são físicos. Via muitos usuários sujos de vômito e diarreia. Mesmo assim, André não conseguia abandonar o uso. Vendeu o que tinha para comprar pedras. Pedia aos boqueiros (quem trabalha nas bocas de fumo) que passassem na minha casa e pegassem tudo. Geladeira, fogão, DVD, um a um, todos os móveis e eletrodomésticos foram trocados por pedras brancas. Só não troquei a vida, diz André, que está internado numa clínica ligada a uma ONG em Rio Branco. Ele afirma que só buscou tratamento porque, desempregado, não tinha mais dinheiro para abastecer o vício.
É preciso que o serviço de saúde tenha exata noção das substâncias que compõem o oxi, a fim de entender seus efeitos e propor tratamento adequado. Por enquanto, faltam estudos laboratoriais que atestem a composição da substância. Na década de 1980, a Alemanha queria montar uma política para diminuir as mortes provocadas por overdose de heroína. Descobriu-se que o que estava matando era uma versão da droga com aditivos. Somente a partir dessa constatação o serviço de saúde organizou a melhor forma de tratamento. O Brasil suspeita, mas não tem certeza, do que é feito o oxi. Saber é o primeiro passo de uma longa batalha contra a nova droga.
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